quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A IGREJA E O ESPÍRITO PÓS-MODERNO



Li em algum lugar, com muita propriedade, que a igreja deveria ter muito cuidado em atrelar suas verdades às filosofias seculares, porque, caso estas fossem ultrapassadas, aquelas também iriam à bancarrota. Mas como é muito difícil viver sem absorver o meio, a igreja, muito corriqueiramente, acaba por assimilar e pegar carona nas inovações seculares, sejam elas filosóficas, sejam elas pragmáticas. E a onda da vez é o pós-modernismo.


Pós-modernismo ou pós-modernidade ainda não tem consenso conceitual, mas a maioria dos estudiosos concorda que o movimento intelectual é uma insurreição contra os postulados pétreos da filosofia clássica como a racionalidade, a lógica formal, a pretensão de verdade e objetividade, a metafísica e as chamadas metanarrativas como as grandes ideologias que dirigiram o mundo na modernidade. Poderíamos dizer de outra forma: a questão gira em torno de se decidir por um dos pares de opostos que existe no Ser, o que na verdade remonta ao velho problema do dualismo na filosofia:


Uno/Múltiplo; Deus/mundo; absoluto/relativo; unidade/pluralidade; alma/corpo; inteligível/sensível; realidade/aparência; universal/particular; necessário/contingente; formal/material; subjetividade/objetividade; racional/empírico; teoria/prática; liberdade/determinismo; ideal/real; interior/exterior; civilização/natureza; espírito/substancia; uniformidade/multiformidade; perenidade/mudança; vida/morte; existência/nada; infinito/finito; eternidade/cessação, etc.


Parmênides de Eléia(530 – 460 a.C) é um dos culpados por isso quando estabeleceu o princípio da identidade: “O que é, é”, constituindo um lado dos opostos; Heráclito de Éfeso(540 – 470 a.C.) é o responsável pelo outro lado quando asseverou o princípio da pluralidade: “tudo muda”. Platão foi o primeiro a tentar resolver o problema criando dois mundos distintos na sua teoria do conhecimento: o inteligível e o sensível; Aristóteles tentou outra solução, procurando eliminar a distinção de Platão; ao invés dos mundos serem distintos, eles são sobrepostos; a forma e a matéria se desdobra em ato e potencia. Depois destes, qualquer um que fosse pensar a realidade, ou era platônico ou era aristotélico.


Até a modernidade, os filósofos continuaram tentando resolver este problema procurando enfatizar a função que os dois lados desempenham, mas sempre valorizando um em detrimento do outro. Platão(428-348 a.C.), todos os filósofos cristãos, Descartes(1596-1650), Berkeley(1685-1753) argumentavam que a idéia era superior à matéria. Estes fundaram o clube dos racionalistas. Demócrito de Abdera(460-370 a.C.), Locke(1632-1704), Hume(1711-1776), os empiristas e todos os positivistas defendiam que a matéria era superior à idéia. Estes fundaram o clube dos materialistas.


Um grande número de mentes brilhantes na tradição filosófica, se debruçou sobre este problema e gastaram a maior parte de suas vidas - senão toda ela - e de seus preciosos esforços mentais pra tentar resolver este impasse. Também é fato que até agora ninguém conseguiu um resultado satisfatório, motivo pelo qual este problema ainda gera uma avalanche de outros bons pensadores a, inutilmente, tentar um armistício. Mas já podemos perceber que toda a discussão gira em torno de uma guerra pelo conhecimento da realidade. É o que a filosofia chama de questão metafísica. Os metafísicos eram os caras que diziam poder conhecer a substancia original das coisas, a realidade última do mundo. Daí é que as questões giram em torno de: É possível ou impossível conhecer a verdade? Se for possível, qual o instrumental para isso: a idéia ou a matéria? Já dá pra notar que não temos nem sinal de trégua no horizonte. E olha que não tocamos ainda em um ponto de fervorosa discussão na historia da filosofia - tão bem introduzido por Sócrates(469-399 a.C.) quando este resolveu discutir o que é a virtude: este problema é a moral. Pois, apesar da discussão de conhecer o mundo esteja vinculado aos problemas de subjetividade/objetividade, estes, tem sim, desdobramentos éticos decisivos, como o problema da heteronomia/autonomia. De maneira simples, a questão reza o seguinte: o meu agir deve ser determinado por uma lei externa, transcendente ou eu mesmo devo tomar minhas próprias decisões racionalmente?

Retornando a questão do conhecimento, poderíamos tentar observar outra ênfase nessa discussão, que são os que tentaram resolver o impasse diluindo tudo numa só coisa: o monismo. Como não há nada novo debaixo do sol, Tales de Mileto(624-556 a.C.), considerado o primeiro filósofo, foi quem, em busca de um princípio único para a realidade, propôs a questão no seu aforismo “tudo é água”. Spinoza (1632-1677) dizia que só havia uma substancia: Deus e suas modalidades; Leibniz(1646-1716) teorizou a mônada(unidade em grego), uma entidade que se transmorfava em tudo o que existe, tal como a combinação "zero" e "um" na linguagem da computação que se transforma em palavras, movimento, sons, imagens, cores, etc; Kant(1724-1804) visualizava um ponto no horizonte da mente onde as categorias se encontravam com as intuições sensíveis para forjar conceitos; o idealismo alemão e, por último, Hegel, o melhor vendedor da dialética, ou seja, da síntese dos opostos(tese/antítese), jogou tudo no caldeirão do absoluto, declarando “o ideal é real e o real é ideal”.


Outros resolveram que a guerra era insana e o melhor era escolher um dos lados em detrimento do outro. Marx(1818-1883) decidiu que o que há é a matéria e suas determinações econômicas, sociais e ideológicas; Nietzsche(1844-1900) afirmou categoricamente que “fatos é o que não há: há apenas interpretações”. Kierkegaard(1813-1855), Heidegger(1889-1976) e Sartre(1905-1980) resolveram viver a “vida como ela é”, ou seja, a existência nos intima a nos afirmarmos autenticamente nela, com suas pulsões e paixões: Abaixo a Razão e seus conceitos!!!; e a Hermenêutica reduziu tudo à subjetividade e linguagem. No esteio destes, que já são considerados espécies de fundadores do relativismo pós-moderno, os intelectuais, a mídia, os formadores de opinião também resolveram decidir por um dos lados; O que diz o pós-modernismo? Como bem constatou Gianni Vattimo, é a declaração de falência dos fundamentos; ora, se “Deus morreu” e a metafísica foi sepultada junto com Ele, não há mais verdade nem absolutos o que resta senão o lado oposto? Devemos valorizar agora a relatividade do nosso discurso; respeitar a pluralidade das vozes que nos chegam; estimar o particular, o indivíduo em detrimento das massas; e, conviver, não mais com o contraditório e sim, com as diferenças. Com a desilusão da razão e a desistência da busca da verdade instaurou-se o “faça o que tu queres, porque é o tudo da lei”, como queriam os apóstolos da Sociedade Alternativa. Mais, devemos nos insurgir contra toda tentativa de idealismo ou quem quer que defenda ainda os absolutos.


Não nos enganemos. Esta mesma controvérsia dualista se repete na teologia e na vida da igreja nos seus termos próprios. Porventura, há algo mais dialético do que a discussão sobre a Unidade e Pluralidade de Deus na Doutrina da trindade; transcendência e imanência divina; As Duas Naturezas de Cristo: divino e humano; conciliação entre Velho e Novo Testamento; Palavra de Deus e palavra do homem; Graça e Juízo; Predestinação e Livre Arbítrio; santo e pecador; Palavra e carisma; razão e emoção; ater-se ao céu e viver na terra; criação caída e redimida; mundo sacro e mundo profano; o “já” e o “ainda não” escatológico? Ora, da mesma forma que no ambiente da filosofia secular, uns continuam a tentar insistentemente, resolver o dualismo e, outros desistem do problema, os quais, geralmente optam pelo relativismo, assim também na vida da igreja. Há os que continuam a apostar na teologia, seguindo eternos leões de chácara da ortodoxia e da metafísica cristã e há os que desistiram da questão e optaram pelo lado da pragmática, do particular, da vivência, da existência, do cotidiano e do dia-a-dia da igreja sem se preocupar mais com tais assuntos transcendentais. Na vivência da igreja, falta-nos um Aristóteles para nos mostrar "o caminho do meio" ou um Hegel para nos ensinar a pensar dialeticamente?


Mas, de uma forma ou de outra, não há como fugir do fato de que a fé convoca terríveis questões acerca da espiritualidade e da materialidade que a maioria de nós não sabe lidar. Então, acabamos num dilema: ou vemos Jesus divino demais ou humano demais; ou nos santificamos e nos isolamos do mundo, ou pecamos descaradamente; ou nos tornamos bibliólatras com demasiada ênfase na Palavra ou nos tornamos sensitivos, místicos e supersticiosos; de um lado dizemos que a missão precípua da igreja é a evangelização, por outro, a responsabilidade social; hora somos espirituais, hora somos materiais, ambas as posições sustentados com citações bíblicas.


E a igreja como vai? Basta olhar para a babel hermenêutica estabelecida; à pluralidade de vozes ungidas que nos aliciam; aos milhares de ministérios independentes que surgem a cada dia; ao ódio a tudo o que é institucional, história e tradição cristã espalhado em todos os cantos; às tentativas de refundamento da fé, com a pretensão do Ad Fontes neo-testamentário e ao absoluto desprezo pelas Escrituras em favor da experiência. E o que dizer das chamadas “igrejas emergentes”? Ora, nossa maneira de ser igreja está estritamente ligada ao espírito do pós-modernismo. Podemos não admitir, mas o nosso modus operandi (Modo de trabalhar), nosso modus faciendi (Modo de fazer) e nosso modus vivendi (Modo de vida) são flagrantes em denunciar a nossa relatividade conceitual, doutrinária e institucional. Assim, estamos sendo levados pela enxurrada das mais diversas formas de ser igreja que pululam mundo afora.


Como dito acima, esta visão de mundo acarretou dois fenômeno distintos, mas interligados que é a) a ojeriza a qualquer forma de instituição, visto que esta é a fiel representante das formas estanques, da perenidade, da imobilidade, da tradição, da ortodoxia e das verdades eternas; e, por outro lado, b) a busca de um cristianismo mais “puro” que, acredita-se, ser o do chamado período da igreja primitiva - aliás, todo movimento de avivamento que eu conheço usa esse mote: “retornemos à igreja do primeiro século”, sem que, quem propõe não queira abrir mão de uma cadeira da sala para cumprir Atos 2:44,45; 4:32-35. Além do que, o que não falta são refundadores da fé cristã. “Está tudo errado, eu sou o único certo” braveja o desbravador-refundacionista-messiânico. Isto é velho, mas está cada vez mais em moda nos dias atuais, devido mesmo a essa pulverização de vozes autônomas por causa da falência da unidade, tradição e história cristã.


Mas, o que fazer? Devemos desistir realmente dos universais e aquiescer ao relativismo dos novos tempos? Pelo fato do Cristianismo histórico e institucional ter errado bastante, não há nele nada que se aproveite? Devemos negá-lo com toda a veemência do nosso ser ou interpretá-lo dialeticamente? Por outro lado, devemos negar os avanços da filosofia na história? O movimento pós-moderno tem algo a ensinar pra igreja? Há algo a ser considerado?


Yahweh, literalmente, “Eu Sou Aquele que É”(Êxodo 3:14) é uma bela versão de princípio de identidade expresso no nome divino revelado a Moisés. Jesus, enquanto intersecção entre o divino e o humano é um excelente problema dialético para a teologia. Talvez pudéssemos começar por aí. Mas isso eu deixo, pós - modernamente, a quem esta reflexão despertar de seu sono.



Um comentário:

  1. Parabéns pela reflexão! Uma verdadeira aula de história da filosofia.

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