quinta-feira, 17 de setembro de 2009

VÍCIOS POLÍTICOS NA VIDA DA IGREJA

“Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” (Mt 20.25-27).

“Se dar bem sempre e tirar vantagem em tudo” é a chamada Lei de Gérson que estigmatizou a cultura brasileira. O problema é mesmo cultural, vem das raízes da colonização e da formação do Estado brasileiro. Um país que possuiu Senhores de Engenho, Coronéis e Ditadura Militar não poderia cultivar na sua alma outra coisa senão os abusos do mandonismo e da arbitrariedade de sua classe política. Será por isso que a maioria dos meus colegas pastores acha a democracia o pior dos governos? E não será por isso que a igreja evangélica brasileira está caminhando, cada vez mais, para regimes monárquicos do que os do diálogo e consenso?

Há quem defenda que o certo seria a igreja adotar a teocracia, que era a forma de governo que Deus tinha para com Israel. Porém, estes que argumentam assim, não percebem a transição radical entre os dois testamentos e o “salto qualitativo” em termos de espiritualidade entre Velha e Nova Aliança(assunto que tratarei em um post futuro). Em nenhum texto neotestamentário encontra-se respaldo para um modo de viver da igreja adotando um modelo de poder do VT; pelo contrário, o que vemos é a individuação do cristão no exercício de seu sacerdócio para com Deus, por meio de Cristo. Paulo fala de uma “liberdade em Cristo” (Gl 2.4, 5.1, 13); pena que a igreja só entenda tal liberdade somente a de espíritos malignos, do pecado e do “mundo” e não de consciência. Lutero, em parte, ainda tentou resgatar isso com a “descoberta” do sacerdócio de todos os santos, que o fez arvorar a bandeira de um poderoso movimento de luta pela liberdade; mas isto está esquecido nas mais densas brumas do passado.

A igreja faz parte da história e nela também vive influenciada. Exemplo disso é o fato do cristianismo do ocidente já ter sido império no medievo, ter herdado a institucionalização e a burocracia das entidades civis, pra não dizer que, hoje, se submete à lógica de mercado, à divisão de classes, ao consumo e louvor ao capitalismo. Práticas estas que são contrárias aos ensinamentos de Jesus e dos princípios do Novo Testamento. Na minha opinião, boa parte do pastorado brasileiro tornou-se um projeto de classe aristocrata, burguesa e política com todas as benesses que este título pode exaurir, sem nenhuma proposta alternativa ao estilo de vida de privilégios, desigualdade e exploração que estão aí desde a fundação da nação.

Como na sociedade, a igreja é um lugar propício de possibilidades de relações políticas; os que tentam defender a tese de que o fazer eclesiástico é isento de política, caem na ingenuidade de acreditar que a política pode ser retirada da vida. Ora, Aristóteles já dizia no sec. V a.C., o homem é zoo politikon, “o homem é um animal político”, porque vive nas relações, e estas demandam uma prática política com toda a sua lógica que lhe é peculiar. Em qualquer lugar onde haja pessoas, e isto inclui a igreja, temos a necessidade de argumentação, debate e discussão. A igreja é a comunidade dos santos, mas também é uma unidade política da qual o indivíduo faz parte; nela há relações de poder, de interesses, hierarquia e partidos, principalmente aquelas que adotam o governo democrático com assembléias e deliberações pelo voto.

Do cenário político brasileiro listaremos apenas os vícios onde vemos uma identificação clara com as práticas de alguns líderes eclesiásticos da igreja brasileira:

1. Coronelismo. Símbolo de autoritarismo e impunidade. Expediente corriqueiro em algumas igrejas brasileiras; pastores exercem atitudes de mando, achando que detém o poder de vida e morte sobre as pessoas, amaldiçoando-as ou abençoando-as como bem lhes convier. É preciso lembrar-lhes que a autoridade que eles exercem sobre as pessoas é limitada, uma vez que quem está em Cristo já é abençoado (Ef 1.3) e não pode ser amaldiçoado (Nm 23.23; Ez 18; Gl 3.13; Tg 3.10). Além do que, o apóstolo Pedro ordenou que quem pastoreia não deve ser dominador do rebanho(1Pe. 5.2,3).

2. Clientelismo. Relação política onde uma pessoa recebe de outra proteção ou privilégios ou obtenção de benefícios em troca de apoio incondicional. Como nota característica o cliente fica em total submissão ao patrão, independentemente de com este possuir qualquer relação familiar ou empregatícia. Esta é uma prática corriqueira em algumas denominações em época de eleição. Conforme a recompensa, o pastor se torna um verdadeiro cabo eleitoral, manipulando o rebanho para o voto no candidato/partido patrão.

3. Dinastia. Pastores que constroem impérios eclesiásticos, com altas somas na arrecadação, não querem abrir mão destes e acabam convencendo os filhos a continuarem a linha sucessória, herdando a herança; um bom exemplo bíblico a não ser seguido é Diótrefes (3 Jo. 1.9).

4. Patrimonialismo. “Esta é a minha igreja e estas são minhas ovelhas” é o refrão dos tais. Pastores também confundem o público com o privado, ou seja, pensam ser dele o que é do povo; Propriedades e contas bancárias da igreja acabam se tornando patrimônio pessoal. Daí, o fato de alguns líderes se desligarem de suas convenções e fundarem ministérios independentes. Os tais alegam divergência de administração ou de visão, mas na verdade eles se convencem de que são donos da igreja; No entanto, a única pessoa que tem direito de usar os pronomes possessivos “minha igreja” e “minhas ovelhas” é Jesus (Mt 16.18; Jo 10.14,27); Paulo, quando se referia à comunidade dos crentes dizia “a igreja de Deus” (Atos 20.28; ICo 1.2; 10.32; 11.16; 2Co 1.1; Gl 1.13; 1Tss 2.14; 2Tss 1.4; 1Tm 3.15) e quando se referia aos próprios crentes dizia “servo alheio” (Rm 14.4) ou “servos de Cristo” (Ef 6.6) numa clara consciência de que não possuía poder patrimonial sobre eles.

5. Nepotismo. Pastores também “empregam”, com benesses, seus parentes em cargos eclesiásticos. Há igrejas que sustentam não só a família do pastor, o que é bíblico e justo, mas todos os seus parentes e aderentes. Estes são incentivados a assumirem algum cargo eclesiástico para justificar a renda. Daí pode-se vislumbrar que existe muita gente no ministério, executando funções sem vocação alguma, apenas como estratégia de "tudo ficar em família”.

6. Personalismo. O personalismo se caracteriza pela exacerbação do culto a si ou das ações pessoais, frente ao conjunto dos seus liderados. O líder imprime sua marca frente à igreja, onde esta passa a viver em torno de sua “persona” e não dos ideais do Reino. Não é preciso muito esforço para perceber o culto à personalidade em alguns líderes eclesiásticos no Brasil, onde páginas na internet, folders, cartazes, botons e banners gigantes são veiculados com as estampas de seus sorrisos;

7. Caudilhismo. O caudilho é o líder que se perpetua no poder seja por consecutivas reeleições ou por mandato vitalício. Em geral ele é autocrático e carismático ao mesmo tempo e detém uma relação estreita e emocional com seus adeptos apesar de sempre legislar em causa própria ou de particulares. Seu carisma, embora nem sempre transferível em caso de sua morte, pode ser estendido para parentes, como esposa e filhos. O caudilho sempre prefere a ditadura à democracia.

É difícil ser cristão com essa brasilidade. O país precisa de uma revolução ética, não somente entre a classe política, mas no povo em geral. Além desses vícios políticos, praticados anos a fio no Brasil, poderíamos apontar outras distorções parecidas no meio eclesiástico que ferem até mesmo a prática civil, como por exemplo, o desvio de finalidade de dízimos e ofertas, onde os quais deveriam ser revertidos para a comunidade, são usados para fins nada espirituais. E na onda da megalomania de políticos que constroem castelos, temos líderes que - seguindo uma teologia ultrapassada do Velho Testamento, na qual Deus “mora” num determinado lugar construído - utilizam-se do falacioso argumento salomônico: “um palácio para Deus”, ou outro mais enganoso ainda: “um grande Deus, merece um grande templo”, para construírem verdadeiras “Torres de Babel”, que estão mais para tornarem seus nomes célebres sobre a terra (Gn 11.4), do que para qualquer propósito do Reino de Deus. Estes estão totalmente na contramão da verdade que Tiago expressou em sua defesa contra o Sinédrio afirmando que “o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens” (Atos 7.48).

Diferente da “igreja primitiva” que vivia uma revolucionária “contracultura” contestando os valores vigentes do Império, vida política e vida eclesiástica estão cada vez mais numa relação simbiótica no Brasil. Muitas igrejas, na sua administração, estão politicamente incorretas, influenciadas pelas origens de nossa história. Outro aspecto dessa relação é que a igreja é pública - pois se enquadra na natureza de associação do Código Civil – porém, muitas delas não são transparentes nos seus negócios, incluindo aí os movimentos para-eclesiásticos e ministérios afins. Muitos líderes se aproveitam da situação de isenção legal e da autonomia que a igreja usufrui ante o Poder Público, arvorados na subserviência de seus membros em não exercer nenhuma espécie de fiscalização ou contestação de seus feitos, a maioria não dá satisfação do que fazem com o dinheiro arrecadado e nem das decisões que tomam, por mais arbitrárias que sejam; além do que, não publicam nenhum relatório em nenhuma mídia(denuncia que já fiz em outro post), qualquer que seja. Ora, é fato que a publicidade dos atos, é pré-requisito para um ministério íntegro. Mas transparência é tudo o que alguns líderes não querem tal qual uma boa parte de deputados e senadores. Pelo menos o governo faz uma média permitindo um site como o Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br) e, neste quesito, ele leva vantagem sobre a igreja que não tem a quem dar satisfação.

Prova do que aqui está escrito são as chamadas “verbas ocultas” amparadas pela aprovação da última lei eleitoral onde, prestar contas da arrecadação e do destino das verbas de campanha foi proibida, ou seja, a lei não permite que o eleitor saiba quem financia, quanto e onde é usado o dinheiro, pelo menos até o dia da eleição. Ora, num lugar secreto e sem controle só há cultivo e fomento de abusos. Por isso, sempre reelegemos até aqueles que, acusados de todo tipo de crime político, estão "se lixando para a opinião pública".

No caso da igreja, o problema é que por alguns, todos pagam. Com tanto em comum com a politicagem brasileira, não é a toa que as representações sociais sobre a pessoa do pastor é das piores possíveis. Ele é sempre visto como um aproveitador, mercenário, trambiqueiro, um representante oficial de negócios escusos, embora um grande número sejam realmente "homens de Deus", que procuram a realização de seus ministérios honestamente. O fato é que, tal qual a imagem do Senado, a dos líderes da igreja brasileira precisa ser resgatada "pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jd 1.4). As pessoas precisam ver em nós, não um lobo com peles de ovelhas ou um mercenário prestes a tirar-lhes o último tostão, mas homens comprometidos com os valores do Reino, dispostos a servir a humanidade, como o exemplo do Mestre.

Por fim, da parte dos membros, assumirem uma atitude acrítica e submissa diante desse quadro, sob o pretexto de que, de outra maneira serão estigmatizados pelo líder como “rebeldes”, “desobedientes” e “endemoninhados” é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer burrice. Resta-nos acreditar que um dia o Brasil vai consolidar-se como um país verdadeiramente democrático sem a corrupção e a desigualdade que corrói o povo como câncer; que as próximas gerações alcancem instituições honestas, transparentes e confiáveis, para que a igreja também seja beneficiada enculturando tais práticas. Por enquanto, resta-nos orarmos dizendo “Deus salve a nossa pátria e as nossas igrejas também”.

Um comentário:

  1. O artigo retrata muito bem a necessidade da "revolução ética" dentro da igreja brasileira. Vale ressaltar, que nós, cristãos, em busca da Palavra de Deus, temos também a responsabilidade de contribuir para que as próximas gerações do nosso país, possam ter a oportunidade de conhecer "instituições honestas, transparentes e confiáveis", pois, na minha opinião, o fator mais importante para as relações, está na confiança.

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