quinta-feira, 27 de maio de 2010

JESUS E A DESSACRALIZAÇÃO DO TEMPLO, SACERDÓCIO E SACRIFÍCIO


“também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (IPe 2.5)


Templo, sacerdócio e sacrifício são elementos imprescindíveis de toda religião. É muito difícil – eu diria quase impossível – encontrar alguma religião que não tenha essas instituições como condição sine qua non para a pessoa se religar com o sagrado. Até o budismo, que não tem Deus, nem pecado, possui o seu templo, os seus sacerdotes e os seus sacrifícios. O templo na concepção tradicional era a morada de Deus, a classe sacerdotal era a mediadora da boa relação Deus/Homem, e os holocaustos, sacrifícios e ofertas eram os que apaziguam a ira de Deus, expiando os pecados. Não foi diferente com o judaísmo. Havia o lugar sagrado, uma família sagrada e coisas sagradas a oferecer para se efetivar a espiritualidade. Mas tudo isso sofre uma reviravolta com o advento de Jesus, como veremos, pois é exatamente neste quesito que há uma descontinuidade entre o judaísmo e a igreja, uma ruptura entre Velho e Novo Testamento.

O óbvio que está ululando no Novo Testamento a cada página, e no próprio espírito cristão que estava nascendo com o movimento de Jesus é a laicização do sagrado, a democratização dos privilégios da espiritualidade, a humanização do divino; ou seja, a coletivização dos símbolos mais caros da religião: templo, sacerdócio e oferta, como nunca aconteceu antes na história das religiões. Contudo, tal verdade nunca foi levada até as suas últimas conseqüências, ou seja, na história do cristianismo, neste quesito, poucos se ateram à honestidade intelectual de se submeterem ao princípio socrático, cuja ordem é "seguir ao argumento até onde ele nos levar" (FLEW apud Socrátes, 2008, 40), mesmo que a conclusão deponha contra meus interesses ou no que, até então, acreditei. Teoricamente, não há segredo, nem “revelação” nenhuma nesta questão. Por exemplo, o Dicionário VINE(2006, 964), da CPAD diz “ o Novo Testamento não reconhece de modo algum uma classe sacerdotal em contraste com o laicato; todos os crentes são ordenados a oferecer os sacrifícios mencionados em Rm 12.1; Fp 2.17; 4.18; Hb 13.15,16; IPe 2.5”. Sempre ouvimos pregações e lemos sobre o sacerdócio de todos os que crêem: “somos nação santa, sacerdócio real”; mas, talvez, depois de Jesus, os apóstolos e as primeiras comunidades cristãs, ninguém mais levou a sério esse postulado com todas as suas implicações lógicas. Durante a história, os cristãos continuaram indo ao “templo” como “casa de Deus”, um lugar sagrado; tendo sacerdotes de cujo poder e autoridade de mediação dependiam, e ainda dependem; e continuamente, ainda ofertam e sacrificam com o intuito de agradar , apaziguar a divindade ou receber dela recompensas.

Depois da morte da primeira e segunda geração de líderes da igreja e com a institucionalização desta, as distinções substanciais e vitais entre judaísmo e cristianismo se esvaíram; principalmente, no que concerne à teologia do templo e sacerdócio, estas permaneceram com sutis adaptações, contudo, levíticas no seu cerne, mesmo com todo esforço de Paulo em combater os judaizantes. A Igreja Católica retomou tal estrutura novamente. Restabeleceu o templo de pedra como “casa” de Deus, implementou uma hierarquia rígida com bispos, cardeais e papas; restabeleceu a mediação sacerdotal mediante a confissão auricular e a eucaristia, privilegiou o poder com a teologia da sucessão apostólica e a infalibilidade papal; incrementou inclusive vestimentas, rituais, incenso e romarias tal qual no judaísmo antigo. No medievo, o povo apenas comia das migalhas que caiam das mesas da aristocracia espiritual, com a missa em latim e a leitura e interpretação da Bíblia proibida para o leigo. No início da Idade Moderna, Lutero fez um esforço grandioso para viver a liberdade cristã ao descobrir a justificação pela fé. Percebeu que era sacerdote de si mesmo, que não era escravo de ninguém, embora servo de todos; que as mediações haviam findado em Cristo, restando somente a graça; que a interpretação das Escrituras deveria ser laicizada; porém, tudo isso não foi suficiente. Após a Reforma Protestante, cada país que aderiu ao movimento instituiu sua Igreja Oficial, ligada ainda ao Estado, influenciando nas decisões políticas. Continuou o sacerdócio, a aristocracia eclesiástica e as bênçãos especiais. Mesmo após vários movimentos de renovação, quais sejam, os reavivamentos, o pentecostalismo, etc., com todos eles tendo como intento e lema o “retorno ao cristianismo das origens”, nenhum deles, se libertou completamente da tradição levítica, ou seja, continuaram atrelados ao templo, ao sacerdócio e às ofertas como necessários para a comunhão com Deus. E, nos dias atuais, em especial no Brasil, os neo-pentecostais levaram estes símbolos à mais alta sacralidade, tornando-os necessários para que se busque o favor de Deus. Os mega-templos são verdadeiras obras salomônicas, na verdade, torres de Babel, com a intenção de tornar “célebre o nosso nome” (Gn 11.4); a classe sacerdotal, ou seja, os apóstolos e bispos, com uma hierarquia forte e rígida estão divinizados no meio do povo, constituindo um grupo altamente elitista; ofertas e sacrifícios são partes essenciais de uma teologia de retribuição, onde Deus só abençoa se for recompensado financeiramente, se houver sacrifícios; ritos, símbolos e superstições pululam em suas reuniões.

Voltemos à tese da dessacralização. Comecemos com Jesus, que interiorizou o templo em si mesmo. Ele mesmo dizia ser seu corpo o santuário. É o que lemos em João 2.19-21 “Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei, Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás? Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo”. (ver Mc 14.58). No prólogo joanino (1.14), o autor escolheu intencionalmente a palavra grega eskenosen , por causa da idéia do templo, cuja tradução poderia ser “ele estabeleceu seu tabernáculo entre nós”. Aqui, Cristo substitui o lugar de culto, porque a shekinah, que para os judeus era sempre ligada ao templo, agora vai estar sempre sobre ele.

Não há dúvidas de que Jesus foi considerado além de profeta, sacerdote. Mais, ele é o sacerdote da nova e última aliança entre Deus e os homens: “Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (ITm 2.5); o escritor da carta aos Hebreus faz uma grande apologia sobre o sacerdócio de Cristo, o que é inútil citar todas as referências aqui. Apenas duas passagens dentre muitas em que ele afirma: “como em outro lugar também diz: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 5.6), e “agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas”(Hb 8.6).

Ele também foi considerado o sacrifício de expiação dos pecados: “no dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). É óbvio aqui a alusão ao cordeiro pascal imolado no dia da libertação do povo de Israel do Egito e que se tornou a tradição na festa do dia da expiação para os judeus. É assim que Paulo afirma nominalmente: “lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (ICo 5.7) e Pedro corrobora: “sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (IPe 1.18,19). A morte de Jesus também é chamada de oferta: “e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave” (Ef 5.2), ainda em Hebreus 10.10: “Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas”; ainda em Hebreus: “Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus ... Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados (Hb 10.12,14)

Como demonstrado, Jesus tornou-se em si mesmo templo, sacerdote e oferta. Reunindo em si os principais símbolos do judaísmo. Agora, será que isso pode ser aplicado também ao cristão?

O Novo Testamento afirma que o cristão é templo de Deus: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado” (ICo 3.17), “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (IICo 6.16); Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? (ICo 3.16); “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (ICo 6.19); “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2.21,22). Essa idéia de que o cristão é tabernáculo foi tão assentida que os apóstolos referiam-se aos próprios corpos como tal: “sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (IICo 5.1), ainda: “Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida” (IICo 5.4), Pedro também: “considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças, certo de que estou prestes a deixar o meu tabernáculo, como efetivamente nosso Senhor Jesus Cristo me revelou” (2Pe 1.13,14).

O Novo testamento afirma que o cristão é sacerdote também: “e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (Apoc 1.6); Ainda em IPe 2.5: “também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” , Pedro ainda “ Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (IPe 2.9). Em Hebreus 10.19,20, a exortação é que o cristão deve adentrar com ousadia, no lugar onde somente o Sumo Sacerdote tinha direito a livre acesso: “tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne”. Ora, escrevendo assim, o autor estava ciente de que “o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo” (Mt 27.51), assim Paulo é ousado em dizer concernente aos judeus que não creram em Jesus: “Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido” (IICo 3.14).

O Novo Testamento afirma também que o corpo do cristão pode ser considerado um sacrifício: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12.1); o próprio ser do cristão pode ser ofertado a Deus, Paulo considerava que sua morte seria uma oferenda complementar à fé dos Filipenses: “entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo” (Fp 2.17, ver IITm 4.6). Ele disse que, antes da coleta da oferta para os cristãos pobres de Jerusalém, os macedônios, primeiro, ofertaram-se a Deus, depois serviram os santos: “e não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus” (IICo 8.5).

Com relação à oferendas, pode ser dito que se, pois o cristão é um sacerdote, ele também não precisa mais de mediador pra oferecer oferta e sacrifícios a Deus, posto que neste quesito, ele é sacerdote de si mesmo, adquirindo assim, o direito de oferecer sua própria oferta: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome ... Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hb 13.15,16). Daí porque agora, ajudar alguém nas suas necessidades substitui o incenso e o sacrifício levítico. Veja o que Paulo diz quando recebe a ajuda dos Filipenses: “Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp 4.18).

A conclusão extraída destes vários textos é obvia. Todas estes símbolos, fundantes de qualquer espiritualidade, foram encarnados, primeiro em Cristo, e em seguida, na pessoa que se rende à cruz, de maneira que elas, sob a égide de Cristo foram interiorizadas, tornando assim inútil seus símbolos exteriores.

Mas é no texto de IPe 2.5 onde encontramos tudo o que foi dito até aqui, reunidos num único verso: “também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (grifo meu). Está aqui, numa só frase, a reunião dos elementos fundamentais do religare. Isto ao mesmo tempo, é escandaloso porque fere o orgulho da complexa religiosidade, que sempre viu o religare como o trabalho mais árduo da humanidade: deísta(Deus está muito distante), ascético(somente por meio de extrema purificação pode se atingir a luz), moral (deve haver uma lista de proibições que nos santifique), gnóstico(Deus é bom e a criação é má, daí a necessidade do esforço árduo ou da revelação secreta) e maniqueísta(Há dois princípios, o Bem e o Mal que interferem e controlam a vida dos humanos); e extraordinário porque, uma vez concebido, é de uma simplicidade aterradora. A concepção desta verdade deveria mudar radicalmente tudo o que se entende por espiritualidade no sentido de uma dependência de um lugar sagrado, de uma elite sagrada, bem como de coisas sagradas a oferecer. Ou seja, agora é o ser que, existencialmente, carrega o sagrado igual ao tabernáculo móvel no deserto que não estava ligado a um lugar, ou ainda, ele torna-se a própria sacralidade. Esta já não é mais exterior, não está no mundo lá fora, mas em-si. De maneira que as peregrinações e romarias à uma geografia sacra tornar-se-iam inúteis, a busca da bênção de um guru que detenha uma suposta autoridade para mediar não faria mais sentido, bem como ofertar algo, algum objeto consagrado para agradar ou apaziguar a divindade é em vão. Deus agora tem no ser-em-si tudo o que lhe agrada; uma morada, a auto-mediação e a oferenda de si próprio. Depois da Nova Aliança, só há um lugar onde se reúne toda à sacralidade no mundo: o ser em Cristo. Talvez seja isso o que Pedro pretenda dizer que Deus “nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade”, e por isso somos “participantes da natureza divina” (2Pe 1.3,4)

Diante dessas evidências bíblicas, o que ocorre é uma dessacralização do templo feita por Jesus, que já começa com o encontro com a samaritana. Uma conseqüência séria destas premissas é a questão do lugar sagrado, o lugar de adoração e da shekinah de Deus. Mas Jesus mesmo é quem desmitifica isso. Segundo Cullmann (2000, 37) “sua conversação lhe apresenta, por um lado, a ocasião de falar do verdadeiro culto ‘em espírito e em verdade’ oposto, por sua vez ao culto judaico oficial do templo de Jerusalém e ao culto samaritano de Gerazim”. É bom lembrar o diálogo; a mulher de Samaria diz a Jesus: “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar; ao que Jesus lhe respondeu: “mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai, Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores, Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.20-24). Para a estupefação de qualquer judeu, Jesus diz que a presença divina não está mais ligada a um lugar; que Jerusalém, cidade do grande Rei, donde procederá a lei, onde o templo foi construído, onde as festas eram celebradas, onde o sacrifício era executado, não é mais o centro de adoração e peregrinação para se encontrar Deus e seu perdão; o adorador agora torna-se um templo vivo que carrega Deus em si. Tal afirmação é um absurdo para o espírito religioso. Mas não o era, por exemplo, para Estevão, o primeiro mártir cristão, que já tinha consciência da dessacralização do templo quando afirma: “Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas” (Atos 7.48), o que provocou o espírito de zelo pela religiosidade do templo, ao ponto de apedrejá-lo. Cullmann (2000, 36-38) analisa o discurso de Estevão da seguinte forma

os detalhes e a intenção geral da exposição de Estevão, ... é a de mostrar que os judeus sempre resistiram à lei divina ... que Estevão considera como o ápice da resistência judaica ao Espírito: a construção do Templo. Por esta recusa do templo, Estevão preconiza implicitamente... Um culto em espírito onde o templo é a comunidade ... nós podemos encontrar naturalmente traços de uma atitude crítica com relação a uma superestimação do templo e dos sacrifícios nos profetas do Antigo Testamento. Os profetas já tendem a espiritualizar o culto do templo. Estevão mesmo cita Is 66.1: ‘o céu é meu trono, e a terra é estrado de meus pés: que templo podereis construir-me?

De posse da consciência de que Cristo – tomando de empréstimo um termo nietzschiano - fez uma transvaloração dos símbolos da sacralidade exterior para algo interiorizado no ser é que Paulo diz: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados” (Cl 2.16), e se assusta quando sabe que os Gálatas guardam ainda “dias, e meses, e tempos, e anos” (Gl 4.10); Tenta ainda dissuadi-los de que tais coisas são “rudimentos fracos e pobres” (Gl 4.9), aos Colossenses diz que são “tradição dos homens ... rudimentos do mundo” (Cl 2.8). Toda essa religiosidade exterior é muito sedutora, autoritária e dominante, mas nem de longe resolve o problema do pecado no homem, pois “tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade” (Cl 2.23). Será esta a liberdade cristã que tanto Paulo apregoa? Estar livre de peregrinações supervalorização a um único lugar sagrado, de uma mediação privilegiada de uma casta, de sacrifícios, ofertas de objetos que, na verdade, não interessa à Deus? Das muitas normas, leis, ritos, mística e superstições, fardos necessários para se exercer a religiosidade?

A conclusão é que não precisando mais de um lugar para adorar, alguém para mediar, ou algo para oferecer, o cristão tem o privilégio de carregar o sagrado para onde ele for. Ora, se me torno um templo, um sacerdote e uma oferta andante, encarnado em mim mesmo, não preciso de um templo geograficamente determinado; não preciso de uma casta elitizada de sacerdotes especiais, os quais me conduziriam a Deus e não preciso de sacrifícios fora de mim para agradar a Deus, pois eu mesmo sou “o bom perfume de Cristo”(IICo 2.15) ou posso oferecer meu ser como “sacrifício vivo”(Rm 12.1). Mas então surge uma questão intrigante. Se for assim, com tanta liberdade para a pessoa desenvolver a si própria, então para que servem os líderes? São aios para conduzir os neófitos a Cristo. E deveriam acompanhá-los no processo de maturação espiritual afim de que eles se tornassem adultos e conquistassem independência, como um pai cria e educa um filho. A instrução deveria ser como a de Cristo, até que os discípulos pudessem fazer suas próprias orações, invocar suas próprias bênçãos, oferecer suas próprias ofertas, etc. Nesta fase, quando cada pessoa atingiria sua própria fortaleza na fé, não precisaria mais de um aio. Vejamos o que diz Hebreus 5.12 a esse respeito: “pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido” Infelizmente, continuamente a dependência de um líder, de sua imposição de mãos, de sua autoridade e de seus ensinamentos, continuam perpetuando as crianças em Cristo (ICo 3.1,2; 13.11, Hb 5.12,13, IPe 2.2).

Se esta tese estiver correta, ou seja, a de que Jesus reuniu no cristão os símbolos mais importantes da espiritualidade, dando-lhe liberdade para exercer sua própria fé autonomamente, então as implicações desta verdade opera uma desconstrução na formatação da religião e do cristianismo em toda a sua história. Pode-se supor o que aconteceria se o cristianismo perseverasse nesta verdade até os dias de hoje. Que impacto teria?

1) Não haveria templos ou lugares sagrados. Conforme Jesus e a totalidade do Novo testamento, a “casa” de Deus seria a comunidade dos discípulos, ou seja, a reunião dos indivíduos batizados misticamente em Cristo, esta, verdadeiramente sagrada. Haveria lugar de reunião, mas nunca com a conotação de ser a “casa” de Deus. Ato conseqüente, não se teria grandes somas de dinheiro elevando imensa catedrais, verdadeiras torres de babel com o pretexto de serem palácios para Deus. Talvez seja por isso que não há provas históricas de qualquer templo construído nos três primeiros séculos da história da igreja. Somente no reinado de Alexandre Severo, em 222 dC é que se tem uma indicação de um lugar para reunião da igreja. Outros dizem que o primeiro templo cristão começou a ser construído por Constantino, sob influência de sua mãe Helena, em 327 d.C. O certo é que passou-se pelo menos 200 anos para que se ouvisse falar de igreja como templo.

2) Não haveria uma classe sacerdotal aristocrata. Pelo menos, não da forma da estrutura e teologia levítica vétero-testamentária. Os pastores e presbíteros deveriam se moldar não mais à imagem do sacerdócio levítico e sim, no modelo de pastoreio de Jesus. Uma vez que tal função foi coletivizada, uma família que detém os privilégios e direitos de serem os mediadores entre Deus e os homens torna-se obsoleta. Ora, em Cristo, todos se tornam sacerdotes de si mesmos. Tal função, pois, deixou de ser especializada e se tornou comum a todos. Contudo o Novo testamento aponta líderes na igreja como guias espirituais, administradores e àqueles que se desgastam no ensino da Palavra. Há uma maturação na vida da fé que precisa ser acompanhada. Mas esse processo deveria ser apenas monitorado, concluído quando houvesse uma autonomia de fé na vida do indivíduo, quando ele não precisasse mais do aio. Além disso, tais guias exerceriam liderança nunca com os privilégios da classe levítica vetero-testamentária que se sobressaia acima dos demais alegando preciosismo, especialidade, poder e autoridade, únicos detentores da mediação. Isso é razoável sob o argumento de Hebreus que mostra que Jesus é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque(Hb 5.6, 6.20), este maior que Levi(Hb 7.1-17). Posto que Jesus era da tribo de Judá e não da tribo de Levi, há mudança no sacerdócio e também na lei (v.12), como também a instituição dos sacerdotes não é mais arônica (v.11), mas segundo aquele “que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível” (Hb. 7.16). Dessa forma, do mesmo modo que o Sumo Sacerdote Levítico gerava outros sacerdotes segundo a lei, assim o Sumo Sacerdote Jesus gera sacerdotes segundo a sua ordem. Qualquer que reinvidique "realeza", "nobreza", "excelência" ou alguma posição "principesca" acima da comunidade-sacerdotal está em contradição com a nova ordem de Melquisedeque, diante do qual Abraão e Levi ainda não nascido deu o dízimo e foi abençoado (Hb 7.4, 9). O argumento de Hebreus é o mesmo que Paulo utiliza quando demonstra a superioridade da promessa em relação à lei. É simples: a promessa tem uma primazia de quatro séculos diante da lei pois "uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa" (Gl 3.17). Segue-se a mesma lógica com relação ao sacerdócio de Cristo: a ordem de Melquisedeque é maior que a de Levi, pelo simples fato de Abraão ser abençoado por este enigmático sacerdote e dar-lhe o dízimo; dessa forma, Levi, que depois iria ter o privilégio e a obrigatoriedade de cobrar os dízimos de seus irmãos, "pagou-os na pessoa de Abraão"(Hb 7.9) a este rei de salém. Além do que, pelo fato do patriarca dar-lhe dos despojos como dízimo, o autor conclui que este Melquisedeque era maior que Abraão, pois "abençoou o que tinha as promessas...Evidentemente, é fora de qualquer dúvida que o inferior é abençoado pelo superior" (Hb 7.6,7). De maneira que tanto a promessa, como a nova ordem sacerdotal em Cristo é anterior e assim, superior à lei e ao ordenamento levítico. Se este é o caso, não faz mais sentido dizer que "o marido é o sacerdote do lar" ou o "pastor é o sacerdote da igreja".

3) Não haveria ofertas e sacrifícios especiais. Pelo mesmo motivo, a oferta e o sacrifício agradável agora é o ser do crente e as boas obras que, mediante a fé, ele executa. O que agrada a Deus na Nova Aliança são os sacrifícios da subjetividade, que se manifestam a posteriori na espiritualidade concreta: amor fraternal, ações de graça, reverencia, piedade, andar na verdade, boa consciência e os que, são conseqüências destes, no agir cristão: prática do bem e mútua cooperação (Hb 12:8; 13:15-16); auxilio aos pobres e viúvas, santidade(Gál 2:10; Tg 1.27). Isto pode até ser mesmo visto no Salmo 50, quando Deus pede misericórdia e ações de graças mais do que holocaustos. Ou quando Jesus diz “mas, se vós soubésseis o que significa: misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes” (Mt 12.7).

4) No governo da igreja, não haveria hierarquia entre os cristãos. Conforme Hb 13.17, o pastor seria um guia e não um “pai que exerce autoridade”. Ele cumpriria uma função pedagógica, tal como a Lei serviu de aio para os judeus, ou seja, o líder seria um fomentador do crescimento das pessoas, mas nunca exerceria domínio sobre elas. Pedro é claro em orientar que os presbíteros devem ser “modelos”(IPe 5.2,3); Porém, mesmo Cristo dizendo que só há um mestre, pai e guia(Mt 23.8-10), não pudemos fugir da tradição do paternalismo pastoral, da tutoria da fé. Alternativamente, viveríamos num sistema de governo parecido com a democracia, mas bem melhor do que ela. Imagine um grupo de pessoas onde cada um, caminhando conforme a sua consciência, ciente de quem é, vendo-se livres, mas voluntariamente se submetendo ao líder eleito pelo grupo como guia espiritual. Este, um escolhido entre os iguais, onde cada um sabe de suas responsabilidades e as executa sem precisar de estímulos, propagandas subliminares, ameaças, ofensas, promessas de castigo, maldição ou recompensas.

O monárquico nunca deveria ser a forma de governo da igreja, posto que tolhe qualquer anseio de liberdade; o congregacionalismo estaria mais perto de um modelo neotestamentário, cujo princípio é de igualdade entre os membros, “pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes, dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-28). Eis o que Jesus diz a respeito de exercer a liderança na igreja: “mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores, mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve” (Lc 22.25,26). De maneira que o Novo Testamento não sustenta qualquer distinção entre clero e leigo, sacerdote e povo, nem com relação à qualidade ou posição. Antes, sugere a instauração de um regime que alie autoridade e liberdade, sendo a submissão voluntária. É digno de nota, nesse ínterim, o que Paulo escreve aos coríntios sobre disciplina e submissão: “e estando prontos para punir toda desobediência, uma vez completa a vossa submissão” (IICo 10.6). Parece que Paulo quer dizer que a eficácia de sua autoridade, depende da consciência de submissão dos coríntios. Uma atitude nada coercitiva ou impositiva, mas baseada na lei da liberdade das consciências. No mesmo espírito, ele não vai ter com os romanos como o depositário especial e único de todos os dons para os distribuir entre eles, mas como um que quer compartilhar, “isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha” (Rm 1.11). Qual líder moderno nivela-se dessa maneira com o restante dos que crêem? Antes, o que é ensinado é que existe uma casta sacerdotal que está sempre acima da congregação.

5) Na economia da igreja, todo o dinheiro arrecadado seria devolvido para a comunidade ou para os trabalhos verdadeiramente missionários. Haveria uma releitura de Ml 3.10 à luz da verdade de que “a minha casa” são as pessoas, ou seja, a comunidade dos discípulos e não a instituição. Isto faria com que houvesse um redirecionamento do “mantimento”, dos dízimos e ofertas do templo-pedra para o templo-pessoa. Ou seja, o dinheiro arrecadado seria devolvido à comunidade em forma de benefícios. Creio que a igreja em Atos 4.32-35 levou às últimas conseqüências este entendimento, executou isso com maestria. “Tudo lhes era comum” e “Nenhum necessitado havia entre eles”. Isto evitaria o mau uso dos recursos onde muitos “sonhos pessoais” de grande empreendedorismo, travestidos de visão de Deus estão desviando o fim para o qual serve o dinheiro na igreja.

6) Não haveria visões, revelações ou "ungidos" especiais. Haveria distribuição de dons, mas, jamais segredos ocultos somente para os iniciados e revelações privilegiadas. Isto é Gnosticismo e não cristianismo. O Espírito Santo que dá as visões, revelações e unção foi “derramado” na igreja para todos. Todos foram “mergulhados” (baptizo) no Espírito. De maneira que deveria se cumprir a profecia de Ezequiel, citada em Hebreus: Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior” (Hb 8.10,11, ver Hb 5.12).

Eis o que aconteceria se a igreja levasse às últimas conseqüências, com todas a suas implicações lógicas, o fato de que templo, sacerdote e oferta tornam-se aqueles que crêem. A teologia, sociologia, antropologia, economia e até mesmo a música eclesiástica seria revista e reformada, com a exclusão de qualquer elemento levítico, quer seja teológico, litúrgico ou estrutural e assumiria o espírito de Jesus, conforme o Novo Testamento no trato do governo e economia da igreja. Posto que o templo salomônico-levítico ruiu em Cristo, segue-se que se torna em nulidade os sacerdotes que habitavam nele e suas oferendas. Bem assim, são nulos os mecanismos de controle mascarados de "autoridade espiritual", "paternidade espiritual", "filiação espiritual" e coisas do gênero que tem tão somente o fim de alienar e escravizar (IICo 11.19,20)

Diante do exposto, qual o desafio do líder da igreja que queira viver segundo a teologia neotestamentária? Talvez um governo(será esta a palavra adequada?) onde existisse o domínio que não humilha ainda que seja efetivamente domínio, que aceitasse e respeitasse a sacerdotalização de todos onde cada um dos indivíduos da comunidade tem em si a shekinah de Deus. Assim a igreja poderia realmente exercer o poder que não explora ainda que seja efetivamente poder; a autoridade que não dobra a coluna ainda que seja efetivamente autoridade (Mt 7.29, 2Co 10.8, Tt 2.15) ; o privilégio que não abusa ainda que seja efetivamente privilegio. O líder seria um pedagogo para que os da fé cheguem lá; desenvolvendo as potencialidades do crer cujo motor já está nas pessoas, até que elas exerçam a fé sólida, autônoma, livre. Eis a perícia e o desafio que o Cristo nos impõe: poder sem domínio; autoridade sem opressão; glória sem orgulho; riqueza sem ostentação. Mas, quem, até hoje, experienciou dessa forma? Seremos um dia capazes de viver conforme essa autenticidade do indivíduo outorgada por Cristo? Os líderes exercendo a liderança com a sofisticação e a nobreza do Cristo? Os membros exercendo sua fé na plenitude de sua maturidade, responsáveis por si mesmos sem precisar que ninguém mais lhes ensine, antes ensinando a outrem? Com a sua proposta efetiva de superação de todas as formas de opressão, com seu fim tendo a liberdade do indivíduo enquanto capaz de ser em si mesmo o agente do religare na sua mais profunda acepção, eis a proposta do novo Sumo Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque.

Qual é a sutil tentação para a liderança da igreja de todos os tempos? Resposta: A mesma contestação que Jesus sofreu quando do início de sua missão. Segundo Joachim Jeremias (2008, 126)

A tentação no deserto consiste em que Jesus deveria, como Moisés, repetir o milagre do Maná. A adoração a Satã sobre o monte elevado tem claramente como objeto impor-se como líder político. O salto do pináculo do pórtico do templo, finalmente, deve ter sido entendido como um milagre espetacular para legitimar a missão de Jesus. Isso significa que em todas as três variantes da história trata-se de uma só e da mesma tentação: apresentar-se como Messias Político ...a tentação política, que implicava em evitar a via do sofrimento, acompanhou como uma sombra durante toda a sua atividade

E J.Jeremias conclui dizendo que “os discípulos estavam constantemente na mesma situação de tentação que ele próprio (Lc 22.28; a tentação que se situava na esperança messiânica política foi nos dias da vida de Jesus também a tentação deles”(idem, 130), ou seja a “via fácil do aplauso público” . Ora, essa aparição política, com poder e autoridade, riquezas e glórias, sinais e prodígios é o desejo do sacerdote que perdeu o foco da paixão, que se politizou, que como um senador ou um deputado quer “comandar”, ter regalias pela via fácil. Mas a peregrinação de Jesus, sua via crucis, diz o contrário “quem quiser ser grande que se torne servo”. Isto é radicalmente diferente do que se esperava do messias davídico-levítico. Está claro que a fé em Cristo não é um judaísmo melhorado, nem ao menos uma extensão dele; é algo total e radicalmente novo, revolucionário, com uma nova lei, uma nova ordem e uma nova espiritualidade.

Ora, para quem ainda tem dúvidas sobre esta questão, basta analisar de como a epístola aos Hebreus tem o propósito de demonstrar a superioridade de Cristo a tudo o que o judaísmo tinha em alta conta (anjos, Moisés, templo, sábado, sacerdócio levítico, sacrifícios), o autor atreve-se a ir longe na sua oposição ao Velho Testamento: “quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (Hb 8.13). É intrépido ao falar da lei afirmando que a mesma jamais aperfeiçoou coisa alguma devido à sua "fraqueza e inutilidade" (Hb 7.18,19). Mas não é somente o autor de Hebreus que faz essa aguda análise da excelência da Nova Aliança. Paulo serviu-se de “muita ousadia no falar”(IICo 3.12) tanto quanto Hebreus, quando em IICoríntios 3, ele compara os ministérios das Alianças, inclusive com palavras duras. A Velha foi escrita “em tábuas de pedras” com “tinta”; sua prescrição “mata”; os sacerdotes levíticos são ministros “da letra”; A Antiga oficiou um “ministério da morte”, mesmo, um “ministério da condenação”; Ela teve a sua glória desvanescente. Em contraposição ele exalta os aspectos da Nova aliança, esta é uma “carta escrita no coração”, “pelo espírito do Deus vivente”, em “tábuas de carne, isto é, nos corações”, seus ministros oficiam o “espírito que vivifica”. Seu “ministério é o da justiça”; sua glória é “sobreexcelente” e “permanente”. E conclui dizendo que todo aquele que ainda está debaixo da Velha aliança com Moisés tem um véu sobre seus sentidos: Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido, mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” (IICo 3.14,15). Aqui está o salto qualitativo entre Velha aliança e Nova Aliança, fato que, uma grande maioria ainda não se apercebeu. Porém, quando percebermos, a questão é: teremos coragem de "seguir ao argumento até onde ele nos levar"?

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DICIONÁRIO VINE. W.E. Vine ET.all. O significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento. 7ª Ed. Rio de Janeiro:CPAD, 2006.

CULLMANN, Oscar. Das Origens do evangelho à Formação da Teologia cristã. São Paulo: Novo Século, 2000.

FLEW, Antony. Deus existe: as provas incontestáveis de um filósofo que não acreditava em nada. São Paulo: Ediouro, 2008.

JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: HAGNOS, 2008.


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