quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Nietzsche e os neopentecostais

“Os olhos altivos dos homens serão abatidos, e a sua altivez será humilhada; só o SENHOR será exaltado naquele dia” (Is 2.11)

Nietzsche, de família cristã (seus dois avós eram pastores protestantes) conhecia muito bem o meio religioso e a Teologia. Falava com propriedade da Escola de Tubingen e criticou D.F. Strauss, um teólogo eminente de sua época. Começou como seminarista, até se encontrar com o professor Ritschl que o firmou na filologia, desistindo da teologia e filosofia.

Nietzsche fez virulentas e ácidas críticas ao Cristianismo. Em sua época, ele percebeu que a teologia tanto católica quanto protestante tinha um discurso que, segundo ele, “negava a vida”, em termos técnicos, eram doutrinas niilistas. E qual era a concepção de mundo deste cristianismo que Nietzsche criticava? “segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além... inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes”(1). A solução para isso era uma transvaloração dos valores e da moral cristã, anunciando um homem que prezava pela desmedida dionisíaca, pelos instintos, pela paixão, por amar a vida, aqui e agora com suas benesses ou tragédias.

Nietzsche não gostava desse negócio de igualdade pregado pelo cristianismo ou da democracia, conquista da política; para ele é necessário os aristoi, ou seja os melhores, um grupo de aristocratas que sabiam se afirmar autenticamente na vida. Ou seja, era necessário uma boa hierarquia onde havia uma clara distinção entre os fortes e o reino dos fracos e oprimidos. O aristocrata era nobre belo e feliz, por isso “bom”. Ora, no neopentecostalismo a hierarquia é uma estrutura de vida ou morte. Apóstolos, Bispos e pastores são excelentes patentes. Há mesmo quem faça orações distintas, mais eficazes, mais “fortes”, há níveis de posições ocupadas apenas pelos “nobres", capazes de bendizer ou amaldiçoar quem quer que seja.

Para Nietzsche, os homens fracos, cheios de culpa e ressentimento e, por não terem competência para se afirmarem na vida com sucesso, inventaram uma artimanha maligna, que era a de fazer com que os nobres e valorosos sentissem culpa por serem assim, e fazer com que todo mundo elogiasse, na verdade, a sua condição de miserável e pobre. Mas, no fundo, estes infelizes escravos gostariam de estar no lugar dos seus senhores, comendo de cada migalha de seus privilégios. Ora, o que se vê não é os líderes do neopentecostalismo usufruindo de todas as vantagens e privilégios dos milionários, do capital e mesmo, além dele? Jamais eles vão desejar o estrato dos pobres, embora Lucas tenha dito: “bem aventurados sóis vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus” (Lc 6.20)

Nietzsche precisava viver para ver no que o cristianismo neopentecostal se transformou: ironicamente, a imagem e semelhança de alguns aspectos de sua filosofia. Keneth Hagin e seus asseclas transformaram o crente num super-homem, um homem intocável diante dos problemas da vida; a teologia do domínio, da “determinação”, do “tomar posse”, e da prosperidade esqueceu-se da vida além túmulo(2); a felicidade pode ser vivida nesta vida, e com bastante abundancia; valores tão denunciados por Nietzsche, os quais a Igreja tinha como os verdadeiros, como a humildade, a piedade, a pobreza, a miséria, o sofrimento, a impotência, a necessidade e até a enfermidade são considerados pelos neopentecostais, pasmem, anti-cristão e malignos. Quem apregoa tais valores participa da “teologia do fracasso”. Pode-se ver que os pontos em comum da filosofia de Nietzsche e a teologia Neopentecostal são muitos, porém nem todos. Nietzsche não suportou quando Richard Wagner, empavonado, pareceu gostar da ovação de sua platéia. Que pena, neste ponto os neopentecostais iriam desgostar Nietzsche, por que de tal coisa eles não abrem mão. Nas suas entradas triunfais em seus cultos, eles são recebidos com aplausos, assobios e shows pirotécnicos. Eles se esqueceram que Cristo denunciou "os que amam ao primeiro lugar nos banquetes, e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens" (Mt 23.6,7).

Enfim, palavras tão prezadas pelo neopentecostais como “honra”, “nobreza”, “riqueza”, “mérito”, “excelência” parecem ter seus significados resgatados tal como Nietzsche gostaria que fosse: uma inversão de valores. A crítica que Nietzsche fez ao Cristianismo de sua época, não cabe mais aos neopentecostais de hoje. Estes, cansaram da idéia do pastor ser um "mendigo de gravata", pelo contrário, na essência do ser humano há o desejo de ser honrado, homenageado, reconhecido, e que pensar de outra maneira é hipocrisia.

Talvez eu esteja fazendo muita injustiça a Nietzsche devido à complexidade do seu pensamento, tentando fazer uma ligação de sua filosofia com alguma forma de cristianismo, o qual ele tinha completa aversão. Os neopentecostais precisam ler Nietzsche, para o bem ou para o mal. Mas, ouso dizer que, a bem da verdade, há mais coisas entre Nietzsche e os neopentecostais do que pensa a nossa vã teologia.



[1] Os Pensadores. Nietzsche. Sâo Paulo, Nova Cultural, 1996, pg 10,11

[2] fato observável é que suas pregações nunca são escatológicas, mas sim, existencialistas. Seus temas são para o aqui e o agora, cura de enfermidades e progresso na vida material. E da maneira regalada como alguns estão vivendo, talvez prefiram que Jesus demore bastante para voltar.

Um comentário:

  1. Excelente artigo, amigo. Meu ultimo post, por coincidencia toca neste mesmo ponto de forma mais acida. Parabens, continue na luta por uma igreja verdadeira sadia.

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